Pela janela vejo aqueles tons amarelados se transformarem no azul... Pela janela também vejo que há um tempo atrás eu tinha coisas que hoje não me pertecem mais... E não são coisas materiais, ou concretas... mas uma parte da personalidade que eu tinha se foi...
Lembro do cara de 16 anos que estava descobrindo o sexo com a primeira namorada... Lembro que esta primeira namorada queria se entregar mais, entretanto era apenas uma criança... Lembro das melodias de madrugada que escutava por uma garota confusa (e aliás, a primeira namorada foi de fato a única menina, dentre todas que eu fiquei, que sabia pelo menos o que queria, pois TODAS as outras sempre eram confusas...) e que até hoje fazem diferença, não por ser ela em si, mas pelas sensações únicas e indescritíveis de uma época em que minha realidade era bem diferente....
Lembro das duas funcionárias da loja do meu pai, e dessas, uma que fez uma diferença tremenda na minha vida... E não pelo tempo, mas pela forma em que conduziu as coisas... hoje, é tudo um passado trancado em uma pequena caixa de arrependimento, que ocupa um espaço, mas não atrapalha as minhas outras "caixas"...
Pela janela, lembro daquela época de 3 ou 4 anos que eu me dediquei a buscar um tempo que só existiu na minha cabeça, mas que foi tão real para mim quanto o teclado em que digito essas palavras, e me lembro que tantas músicas, tantos rostos e tantas palavras ficaram guardadas, desta vez em caixas maiores, mais pesadas e mais novas aqui dentro, e que vez ou outra se destampam e fazem correr no sangue novamente aquele tempo que só existe em meu universo paralelo.
Pela janela eu olho amores impossíveis que passaram e tiveram uma importância maior do que deveria ter sido em minha vida, e que me trancaram junto com todas as outras caixas que eu guardo com tanto zêlo, e que só agora consegui parar de reviver aquilo que ao mesmo tempo, tanto me fez bem e tanto me destruiu. Pela janela, ainda exergo adiante uma possibilidade no campo pessoal, que pode ou não dar certo. Depende de um dos dois baixar a guarda, para que os beijos, que tanto são bons, ficarem melhor ainda sem os muros que nos cercam, e os quais nós mesmos erguemos em volta de nossos tão sofridos e marcados corações...
Mas ainda que haja certa esperança e certa estima nas coisas vividas e a viver, ainda tenho aquela sensação de que meus amores verdadeiros deixaram a vida antes que eu nascesse, e ainda tenho mais medo de me deixar perder por aqueles pequenos caminhos que levam a lugar nenhum, onde inevitavelmente, as caixas estarão lá, mais uma vez, sedutoras e prontas para que você as destampe e perca mais valiosos anos de sua vida revivendo as fotos, as lembranças, as músicas, os papeis de doces e as cartas que só foram entregues a si mesmo por si próprio...
Pela janela, há minha doce e insignificante crença de que sempre pode e será diferente, embora históricamente, a vida me mostrou que nas caixas sempre haverão os mesmos conteúdos, as mesmas histórias, as mesmas perdas... A mesma sensação de ter vivido tudo e ao mesmo tempo não ter tido nada, sem trocas, sem cumplicidade, e o que é pior, sem a sensação de ter cativado intensamente alguém, como tantas vezes, tantas o fizeram perder a cabeça...
E sigo olhando para a janela, onde o dia clareia a passos lentos, onde o amarelo vai ficando azul, e onde as lembranças e nostalgias são as únicas companheiras de momento, que me remetem àquele tempo em que tudo, extremamente tudo, era intenso e mágico....